sexta-feira, 3 de julho de 2015

A CASA QUASE BRANCA

Cheguei àquela casa branca, acinzentada pela rigidez do tempo.
Enfileirados, aguardo pelo branco agora do leite, que nem todos bebiam.
Subindo os degraus de pedra que me levavam à sala, antecipava na imaginação o cerimonial do cantar do hino.
O rosto firme e rígido da senhora professora Dona Rosa Beatriz, ditava o entrar silencioso dos meus sapatos corroídos pela chuva.
De pé olhávamos uns quadros de figuras distintas do regime e das nossas gargantas ecoavam palavras trémulas, avermelhadas pelo frio.
Sentados, não mais havia espaço a murmúrios, perturbadores do silêncio.
O olhar adulto varria a sala.
Chamados ao xisto frio e escuro não havia espaço ao erro. A régua anestesiava as mãos empedernidas pelo frio. A dor e o calor irradiavam braço acima, morrendo por vezes no cotovelo hesitante.
-Não estudas!
Do rosto saltavam lágrimas que haviam ficado presas pela dor mas que se soltaram pela injustiça das palavras.
O tinteiro no meio da carteira ficava sujo pelas tremuras duma mão ainda ferida de injustiça. O mata-borrão tornava-se pequeno para dar cobro a tanta tinta derramada pelo medo.
De volta a casa, tirava os sapatos e as meias encharcadas.
Aquele escalda-pés assegurava que, no dia seguinte, a gripe não me iria visitar.
O almoço seguro estava servido. As garfadas dadas lembravam que as mesmas iriam faltar à dona dos afectos.
A tenebrosa chuva batia cruel na janela, chutada pelo vento.
A noite chega e escapa-se por entre sonhos de criança.
Nasceu um novo dia.
No estremecer da gélida manhã, calçava umas meias quentes de afeto.
Calçava um saco de plástico para enganar a chuva na sua entrada triunfante pelo enorme buraco nas solas.
Calçava os sapatos herdados do irmão do meio, que já havia herdado do irmão mais velho.
Com o dedo indicador escondia o plástico entre a meia e o sapato para os meus colegas não verem.
Estava bem. Quentinho.
-Despacha-te, já está a ficar tarde e não te esqueças de levar o guarda-chuva.
A chuva copiosa metia medo, mas à escola eu não poderia jamais faltar.
Ao fundo da praça, dita da Corujeira, para lá das folhas caídas e molhadas, estava a casa branca que, embora suja pelo medo, se mantinha limpa pela alegria das crianças que, como eu, adoravam ir à escola.

Autor: Jordão Silva

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